Por Lilia Lustosa. Foto: divulgação.

A partir de hoje, inauguramos aqui no blog do Clube uma coluna sobre cinema. A ideia é usar este espaço para falar de filmes dirigidos e/ou roteizados por mulheres, ou ainda que tenham mulheres como protagonistas em suas histórias.
Para começar, o escolhido foi o recente A Viagem de Pedro (2021), dirigido por Laís Bodanzky, uma brasileira de primeira categoria, autora dos também excelentes Bicho de Sete Cabeças (2000), Como Nossos Pais (2017), entre outros.
Em A Viagem de Pedro, Laís conta a história da volta de D Pedro I para Portugal, depois de haver abdicado do trono para seu filho Pedro de apenas 5 anos. O objetivo do imperador era recuperar o trono português tomado por seu irmão D Miguel.
No entanto, muito mais do que um épico sobre essa viagem importante nas histórias de Brasil e Portugal, o longa da diretora brasileira é muito mais uma viagem interior, rumo às profundezas da alma ferida do primeiro imperador do Brasil, autor do famoso grito da Independência. Ao mesmo tempo, o responsável pelo sofrimento de tantas mulheres, como sua primeira esposa e parceira intelectual, Dona Leopoldina (Luise Heyer), e até mesmo sua amante “oficial”, Domitila (Rita Wainer), a famosa Marquesa de Santos, que ele trouxe para dentro do Palácio Imperial.
Por meio de flashbacks e de uma câmera instável, entramos na alma de Pedro (Cauã Raymond), um homem cheio de culpas e remorsos, que repensa seus atos e decisões, enquanto padece de uma súbita impotência sexual. Laís utiliza essa impotência (possivelmente causada por sífilis) como metáfora para a perda de poder do imperador. Uma brilhante ideia para retratar e repensar a masculinidade tóxica das sociedades patriarcais que até hoje impregnam nossas vidas e insistem em ditar as regras.
O tema da escravidão é também aqui tratado por meio de personagens fictícios, como Dira (Isabél Zuaa) ou o Contra Almirante Lars (Weldet Bunguê), que representam os tantos negros (alforriados ou não) que também tiveram protagonismo na história do Brasil, mas que são, em geral, apagados de nossos livros didáticos.
A direção de arte é impecável, com figurino e cenários muito bem cuidados. A escolha do formato clássico quadrado (4:3) também é um plus, remetendo-nos diretamente ao passado, como se estivéssemos diante de um documento histórico, além de permitir-nos estar dentro daquele navio junto com D Pedro e Dona Amélia (Victória Guerra), cruzando o Atlântico, em um ambiente claustrofóbico, escuro, morada de seres em agonia.
Para completar a beleza do filme, várias línguas são ali faladas, o que pode causar certo estranhamento no início, mas que, finalmente, tem o poder de nos fazer viajar no tempo e imaginar como era o Brasil daquele começo de século 19, em que o francês e o português de vários sotaques conviviam com os dialetos africanos, não tão em harmonia.
Tudo muito bem pensado, para nos fazer aprender e pensar sobre a história do Brasil, mas também, e sobretudo, para nos fazer repensar os tantos erros cometidos por nossos governantes e por cada um de nós, cidadãos dos novos tempos.
Que A Viagem de Pedro sirva de alerta para evitarmos que sociedades impregnadas de masculinidade tóxica sigam existindo, e que as mulheres assumam o protagonismo que têm e merecem. “Chapeau”, Laís Bodanzky!

Lilia Lustosa é doutora em História do Cinema e Embaixadora Master do Clube Mulheres de Negócios, México, e assina a coluna de Cinema do Blog do Clube.
Escritora, lançou recentemente seu livro Umbigo. Para falar com a autora pode deixar mensagem aqui, nas redes sociais ou diretamente nos grupos do Clube.
Acompanhe aqui o melhor do cinema.
Muitos parabéns pela tua coluna de cinema. Gostaria de ler o seu livro Umbigo. Onde está disponível?Poderíamos tomar um cafézinho para conversarmos e nos conhecermos melhor? Muito sucesso e até breve🤍