A dica hoje é Qala (2022), um drama indiano lindo, intenso e triste, escrito e dirigido por Anvitta Dutt. Um filme em que a música tem papel protagônico, contando com trechos inteiros de números musicais que são uma beleza para os olhos e para o coração. Cenas muitas vezes envoltas em fumaça, ou em um jogo de contraluz que deixa tudo com um ar meio onírico. Lindo, lindo!
Mas, ao contrário da maior parte dos filmes indianos que chegam até nós, e que mostram a pobreza (que é, de fato, a realidade da maior parte da população dali), o que vemos em Qala é um cenário quase de contos de fadas, com palacetes art nouveau, figurino deslumbrante e uma belíssima fotografia em que a tela se banha de tons de verde, marrom e bege, quase sempre iluminados por luzes indiretas, amareladas, que deixam tudo mais mágico, misterioso e bonito.
A trama se passa em Calcutá entre os anos 30 e 40 e segue a história de Qala (Tripti Dimri), uma jovem de classe alta que chegou a uma posição bem difícil para uma mulher naqueles tempos. Ela é cantora na indústria cinematográfica indiana. Um meio dominado por homens e repleto de preconceitos.
Órfã de um pai maestro e criada por uma mãe extremamente exigente, que nunca a perdoou por ela ter sobrevivido ao parto enquanto o irmão gêmeo não teve a mesma sorte, Qala cresceu sentindo-se uma impostora, uma filha não amada, que nasceu sem talentos, ocupando um lugar que não era seu, e que jamais estaria à altura das expectativas maternas.
O filme começa com Qala já adulta, nos anos 40, recebendo um disco de ouro e sendo aclamada pela elite indiana. Nota-se desde o princípio que a moça faz questão de valorizar o trabalho das mulheres, já que além de ser assessorada por uma secretária, logo em uma das primeiras cenas, ela escolhe uma fotógrafa para fazer suas fotos, dispensando os tantos homens que disputam ali a oportunidade de registrar na eternidade a imagem daquela diva do cinema indiano.
Mas nem tudo são flores na vida de Qala! E, aos poucos, vamos percebendo que a jovem está psicologicamente fragilizada e que esconde segredos e traumas, sendo perseguida por fantasmas do passado, que vão sendo revelados por meio de delírios, lembranças e pesadelos. Longos flashbacks que reconstituem os passos trilhados por Qala até a fama.
Apesar de se situar nos anos 30-40, o filme de Anvitta Dutt trata de um tema bem atual, a tal “síndrome da impostora” que atinge tantas pessoas em todo o mundo. Ao mesmo tempo, o filme faz pensar em questões universais e atemporais, como os erros e acertos na criação dos filhos. Meninos e meninas que tendem a ser criados de maneiras diferentes, com espaços pré-definidos e sonhos pré-moldados. Faz pensar ainda nas expectativas criadas em torno desses seres frágeis, que estão ali diante de uma página em branco e que só precisam se sentir amados e respeitados em seus talentos, fraquezas e sonhos.
Finalmente, Qala é um filme lindo que leva a refletir sobre assuntos sérios e fundamentais na formação e no desenvolvimento dos seres humanos. Punições, culpas, traumas, convenções, arrependimentos e saúde mental estão ali dispostos na tela, bem diante de nossos olhos, para que sirvam de espelho e sejam capazes de refletir a mãe que não devemos ser.
Forte e lindo! Disponível na Netflix.
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