Por Andréa Milhomem
Winston Churchill disse muito sabiamente que “a sorte não existe. Aquilo a que chamas sorte é o cuidado com os pormenores”.
Quando me falam que tenho muita sorte, eu me lembro de que nasci em um país onde, se não nasce rico, você tem que lutar para conquistar seu espaço, principalmente quando se é uma mulher. Em geral, é assim: a pessoa sai da casa dos pais bastante jovem. Precisa começar a trabalhar cedo, muitas vezes tendo que se equilibrar entre o horário das aulas e do trabalho. Comigo pelo menos foi dessa forma.
Ainda adolescente, nos meus 17 anos, estava namorando. O Natal se aproximava, e eu não tinha grana para comprar presente para ele. Só que eu tinha uma habilidade: fazia brigadeiros muito bem. Então decidi fazer brigadeiros para vender na escola. Antes do recreio, eu já tinha vendido todos. Com isso, em pouco tempo, consegui o dinheiro necessário para presenteá-lo como merecia.
Depois disso, por algum tempo, vendi brigadeiros, rosquinhas, roupas.
Aos 18 anos, fui aprovada em uma universidade fora da minha cidade. Eu me mudei e fui morar com o meu irmão. Morávamos em um estúdio alugado de, no máximo, 30m². Tínhamos uma vida bastante regrada. Nossos pais nos ajudavam como podiam, mas não tínhamos nenhum luxo. Eu anotava todos os gastos num caderninho. Lembro-me de uma vez ter de recordar uma amiga de que ela me devia um vale-transporte...
Consegui por um tempo trabalho na própria universidade. Em muitos fins de semana, eu fazia free lances para institutos de pesquisa. Dinheiro extra que me ajudou a comprar, por exemplo, um ferro de passar roupa.
Pouco antes de me formar, fui trabalhar meio período em um hotel. Era puxado, pois tinha que sair direto da universidade para o trabalho. Como eu estava na área de Eventos, muitas vezes saía tarde porque precisava ficar até o fim de alguma recepção ou jantar. Mas esse trabalho acabou me abrindo muitas portas no futuro.
Após me formar, trabalhava meio período na universidade e meio período em uma empresa privada. Estudava francês cedinho e fazia cursos técnicos à noite. Em um desses cursos, conheci uma amiga que me deu uma dica preciosa sobre um concurso público que tinha muito a ver com os meus conhecimentos e meus objetivos na vida.
Aos 25 anos, fui aprovada em dois concursos públicos. Como diria o historiador Leandro Karnal, “a minha sorte foi passar madrugadas estudando...”. Assumi um deles durante dois anos, até que fui convocada para o outro (o que tinha sido recomendado pela amiga). O salário era muito baixo. Assim, continuei contando com a ajuda da minha mãe, do meu irmão e de amigos por um tempo.
Minha primeira viagem internacional foi a trabalho, um estágio de dois meses, que me possibilitou economizar para realizar o sonho de conhecer a Disney e Nova Iorque.
Com 29 anos, me mudei do Brasil. Finalmente, comecei a ter estabilidade financeira. Demorou ainda alguns anos para eu perceber que não precisava mais me privar tanto de alguns agradinhos.
Quem me vê hoje, com um bom emprego, bem arrumada, morando em um bairro elegante, viajando sempre que tenho oportunidade, indo a bons restaurantes, desfrutando cada segundo da vida, acha que eu tenho sorte...
Sempre que escuto isso é como se voltassem em flashback todos os perrengues pelos que passei, todas as privações que tive na vida.
Posso ter tido sorte... Sorte de ter tido pais que não tinham muitos recursos, mas a sabedoria de que a herança que me deixariam seriam os estudos.
Sorte de ter tido irmãos e amigos que me apoiavam como podiam, financeira ou emocionalmente, e que, hoje, se comovem com minhas conquistas.
Sorte de ter tido saúde para me equilibrar entre os estudos e o trabalho.
Sorte de ter sabido aproveitar as oportunidades.
Sorte de ter sabido fazer as melhores escolhas.
Andréa Milhomem. Servidora pública do Ministério das Relações Exteriores, com pós-graduação em Gestão de Negócios em Turismo pela Universidade de Brasília. Expatriada brasileira que, atualmente, mora em Madri. Apaixonada por viajar, já esteve em cinquenta países e, em vários deles, sozinha.
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